Recentemente, conversei com uma estudante de psicologia no último ano de faculdade. Tinha acabado de escrever minha crônica Sabedoria Popular e Politicamente Correto, em que falo da anti-religiosidade como um dos atuais traços de uma predominância raivosa da vontade de correção política. Em poucas palavras ela confirmou o que eu dissera, ou melhor, serviu de amostra viva ao que eu dissera.
O papo foi informal e amigável, mas deveria ser curto, já que eu e minha amiga teríamos que estar na igreja às sete horas naquele domingo e já eram quinze para as sete. Para uma visita rápida, acompanhei-a à casa da futura psicóloga, que me foi apresentada. Minha amiga contou que andara fazendo análise com uma moça que recebia seus pacientes na igreja, e que não havia gostado do modo com que ela conduziu o processo (não contou por quê). A estudante de psicologia deu o seu aval: não se deve misturar psicologia com religião, pois é mistura que sempre dá errado. E contou por sua vez que havia em sua faculdade algumas colegas que eram... freiras! (Ela mesma pareceu impressionada com o fato de freiras desejarem cursar psicologia.) Não escondeu o riso ao revelar que elas se sentiam especialmente pouco à vontade nas aulas de Sexologia e que, por fim, acabavam abandonando o curso. Percebi que o tom não era despropositado, mas parte do argumento da tese enunciada no princípio: “Não se deve misturar psicologia com religião.” Percebi, sobretudo, que o desfecho, que se estendeu à totalidade das freiras – “acabavam abandonando o curso” – apontava para o fato de uma irremediável inadequação, como se não pertencessem àquele lugar, ou não devessem nunca ter estado ali.
Na verdade, ouvi além disso. Ouvi, nas dobras do relato da estudante de psicologia, uma velada indignação ante a presença das freiras em sala de aula – indignação que não vinha dela, em particular, mas de pelo menos dois séculos de implantação de um pensamento anti-religioso na academia. Desde a Revolução Francesa, o materialismo e o humanismo são in, a religião é out. Com Freud, então, quaisquer tentativas de reconciliação entre ciência (como ele queria a psicanálise) e fé constituem macabra heresia. Como então ousavam as freiras estar ali? Será que elas não entendiam que a religião deveria curvar-se diante do fundo materialista em que se baseia toda a ciência desde Descartes? Pretendiam elas obscurecer a ciência com toda uma mística cristã indesejada? Ora, que deixassem os trajes negros lá fora! Que resolvessem antes de que lado estão!
Copiosos anos de uma anti-religiosidade militante no meio universitário engendraram o seguinte preconceito: ninguém seriamente engajado em uma religião pode exercer com a isenção necessária o ofício da psicologia. Que às avessas poderia ser enunciado assim: todo psicólogo ou psicanalista precisa ser ateu ou agnóstico conceitual. Conclusão de um processo histórico que se revela enfim puramente arbitrário, este imperativo pode ser estendido a quase qualquer área: um pensador sério não pode ter religião – se tiver, afinal ninguém é perfeito, precisa deixar suas convicções fora de suas pretensões teóricas, sob o risco de ser ignorado ou rechaçado. Se isto não é preconceito, não sei o que poderia ser.
De minha parte, acho no mínimo triste que, no intuito de refrescar seus modos de compreensão humana e aceder a um saber democraticamente disponível, ainda que muitas vezes em oposição frontal ao que crêem, as freiras tenham trombado com tamanha indelicadeza por parte de pelo menos uma de suas colegas. Já bastante separadas do mundo secular devido à natureza de seu compromisso com Deus, as freiras foram condenadas virtualmente a uma esquizofrenia mental: a profissão não se exerce onde há fé. Parece que, nesses tempos de rasgada tolerância para com opções de toda sorte, a opção religiosa é a única que não conta. Hoje, a humildade da religião, e este episódio é um grande exemplo disso, não raro é recompensada pelo sarcasmo da ciência.