Comece o desfile dos homens nus! Deixem-nos desfilarem na ordem que desejarem, que puderem desejar. Vejam-nos magros, famintos, atravessarem o desfiladeiro da miséria humana com seus pobres órgãos pendentes, seus pobres rostos decaídos. Vejam-nos murcharem à medida que caminham, sem que despertem a compaixão de outrem.
Vejam como são pobres, cegos e nus.
São os homens de quem eu falava, os pobres homens, que passeiam por esta vida sem perguntar-se por que vieram. Andam sem objetivo, à medida que seus corpos se inclinam para um lado ou para outro. Um cansado desequilíbrio determina seus caminhos.
Estão nus, porque não podem mais estar de outro jeito. Acabou toda fantasia, vestes de ouro e prata se perderam pelo caminho. Acabou-se o pudor de ensaiar a cobertura das mãos, o encolher de ombros envergonhados. Desfilam nus, nus estão sem que possam evitá-lo, e já não querem. Percebem, de uma forma ou de outra, que nada pode esconder deles ou de quem quer que seja a verdade de seus corpos castigados.
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Houve uma época em que eu sentia um verdadeiro prazer em estar com as pessoas. Conhecer alguém era sempre uma grande alegria. Eram raras as antipatias instantâneas, e sons de vozes aleatórias, alternando-se em musicalidade dissonante, deixavam-me alegre, ainda que mal prestasse atenção no conteúdo das conversas ou pouco esboçasse esforço para compreendê-las.
Hoje, não sei se posso dizer que ocorre o contrário. Há apenas uma ausência. Estou com as pessoas, mas as acho velhas. Por vezes percebo um impulso do antigo interesse, e as encaro, segundos após vê-las pela primeira vez, como imagens holográficas superpostas, prontas a oferecer beleza a partir de um exame detalhado. No entanto, logo esta primeira expectativa se desvanece, e estou diante de um déjà-vu.
Cada pessoa que conheço é a mesma, cada palavra que me lançam já é palavra dita longo tempo atrás.
Por vezes indago se não seria sempre algo entre meus olhos e o que se apresenta a mim. Uma parede, um desvio da vista, impediriam que eu percebesse o novo. Como se eu tentasse copiar um cd em uma fita cassete antiga e já bem usada: ao tentar ouvir o que penso ter gravado, deparo-me com os sons arrastados e horripilantes de músicas que não gostaria de repetir.
Mas talvez este pensamento seja por demais silogista. Talvez esteja de fato testemunhando, mais com reações emocionais que com teorias científicas (a dor que advém do impacto!), os sinais e as conseqüências da imitação de comportamentos aprendidos, apaziguadora e não fruto de amor: o aglomeramento no lugar do encontro. Estaria assistindo, então, à crescente vitória do impulso homogeneizador da coletividade, sem nada poder fazer, com certa culpa (são pessoas e gostam de mim) e horror (onde estão, de fato, as pessoas por trás da potência homogeneizante)?
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Desfilam os homens nus. Gozam da companhia um do outro? Afinal, estão juntos e caminham na mesma direção. Não deveriam falar-se? Não poderiam trocar impressões e comentários sobre a precariedade de sua situação? Não deveriam desfazer a fila e caminhar lado a lado em duplas ou grupos de três, quatro?Não: em silêncio caminham, e já não sabem por que ou para que estão unidos.