Conto infantil
Não vou, já decidi que não vou. Prefiro ficar aqui na cama, pensando milhões de coisas, no meu instituto de morcegos e no sonho que eu tive. Adoro ficar lembrando dos sonhos. Além do mais, detesto esse tempo fechado chuvoso, parece que o dia inteiro é à tarde, que são eternamente cinco horas (quer dizer, dezessete) até anoitecer. Então, eu fico pensando: “Não tem manhã hoje”, e me dá vontade de ficar aqui na cama o dia todo, até amanhecer de verdade. O que só vai acontecer no outro dia. Aí eu penso: “Então eu não vou pra escola”, e fico na cama até me dar fome ou coceira de levantar, o que vier primeiro.
Mas hoje eu não vou, já decidi; ainda mais hoje, que tive um sonho ótimo: a minha mãe tinha me levado para uma casa linda, com planta, árvores, natureza à beça, e tinha um balanço na árvore maior de todas. Aí eu fiquei me balançando o tempo todo, pra lá, pra cá, a maior alegria! Não me preocupava com nada. Minha mãe nem falava em escola, nem tinha! E eu só ficava pensando que queria ficar lá pra sempre.
E agora me lembrei do meu instituto de morcegos; é porque quero desenvolver essa idéia, e não me lembro de como o sonho acabou. Acho que foi assim mesmo: fiquei lá pra sempre. Aí eu fico imaginando o resto: será que eu fiquei feliz (como nas histórias) ou eu comecei a ter saudade dos meus amigos, da professora, do meu cachorro? Provavelmente eu ia ter saudade. Então eu fico pensando: não ia adiantar nada ficar lá pra sempre, ia acabar enjoando. Que droga!
Mas aí eu enjôo mesmo é de ficar pensando no sonho, e começo a mudar de pensamento: meu instituto de morcegos. Aí eu fico todo emplogado, começo a me mexer na cama: meu instituto de morcegos! Igual ao Butantã, só que esse é de cobras; foi lá que eu tive a idéia. Eu ia trabalhar o dia todo lá, além de ser o dono, é claro. Ia ficar pesquisando tudo sobre os morcegos, a vida deles, o que comem, como se reproduzem, todas aquelas coisas legais que a gente aprende na escola e que às vezes é meio chato, eu ia descobrir sozinho. E depois... depois, aí sim, a grande idéia: eu ia descobrir TUDO sobre aquela história dos vampiros. É claro, eu teria que ter um morcego daqueles que viram vampiros, e como eles são raros o meu instituto teria que ser bem grande. Então eu teria uns mil morcegos, e pelo menos um deles seria o vampiro. Mas eu levaria anos para descobrir qual é, então eu precisaria ser um ótimo, excelente (o melhor de todos!) pesquisador de morcegos. E aí, tchan tchan tchan tchan, eu descobriria o segredo dos vampiros! Seria igual ao Butantã, o meu instituto: fabricaria antídotos contra o veneno dos vampiros, e aí ninguém mais viraria vampiro. Porque quando uma pessoa é mordida, nada mais resta a fazer: tem que matar a pessoa, é horrível. O meu instituto, então, ia salvar um monte de gente! Eu ia ficar famoso, rico, aparecer na televisão e tudo. Minha mãe ia ficar toda feliz!
Ou então (já pensou?) ela não ia gostar nem um pouco: Que história é essa de morcegos, Marquinhos? Você não disse que ia ser bombeiro? Eu ia falar: Eu sei, mãe, mas agora eu já desisti, vou salvar as pessoas mas de outro jeito. Ela ia falar: É, mas e se os vampiros não existem? Se é tudo mentira dos filmes, dos livros? Você vai passar a vida toda pesquisando à toa. Eu ia dizer: Mas EU SEI que eles existem, mãe! E ela ia acabar aceitando.
Por falar na minha mãe, aí vem ela: já tô escutando os passos do chinelo. Vai abrir a porta, espantada porque ainda não acordei, vai me chamar pra tomar café. E eu vou ter que ir! Ah não, tava tão bom aqui! Vou cobrir a cabeça com o lençol.
– Marquinhos! Ainda não levantou? Anda logo, senão vai perder a hora!
E se eu finjo que estou dormindo, ela vem devagarinho e me cutuca:
– Filhinho, acorda, já tá na hora de ir pra escola.
Ah, droga, não vai ter jeito: vou ter que ir. Descubro a cabeça e olho pra minha mãe: tá com a cara tão engraçada, de sono, e com um sorriso tão bonito que eu abraço ela: mãaae! E pensando bem, acabei de me lembrar: hoje vai ter aula de laboratório! E o Carlinhos vai levar as revistinhas, pra me emprestar. Levanto, todo feliz, oba! Já tô indo, mãe, já tô indo.