Coletânea

segunda-feira, outubro 31, 2005

 

A mente de Cristo



No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus,
e o Verbo era Deus. (...) E o Verbo se fez carne
e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade,
e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.
João 1:1 e 1:14


Em grego, o termo original para Verbo é logos, que para os gregos significa palavra, mas também princípio ordenador do que existe. Ao referir-se a Jesus como o logos, o Evangelho de João, no primeiro capítulo, não faz distinção aparente entre a verdade como princípio regulador do mundo e a verdade que está em Cristo, que é Cristo. De modo especial neste Evangelho, estão associadas em Cristo, sem contradição, a objetividade (a verdade como a luz que “ilumina a todos os homens”, em João 1:9) e a subjetividade, na figura humana de Jesus (“o Verbo se fez carne e que habitou entre nós”, em João 1:14). Logo, segundo os cristãos, para um conceito de verdade realmente válido é necessário que as dimensões universal (teoria, abstrações) e particular (experiência individual) estejam intimamente ligadas – como de fato estão, de modo maravilhoso e inédito na história das religiões, na pessoa de Cristo. De onde se conclui que, de todos os adeptos a uma fé ou a uma determinada visão de mundo, os seguidores de Cristo são ou deveriam ser os menos propensos a caírem no engodo da separação entre essas duas dimensões. Proponho-me aqui a examinar se partilhamos da mesma doença separatista, e por quê.
Tal doença reside no fato de que, se temos como conclusão que a verdade é universal e pessoal ao mesmo tempo, quanto mais afastados estão os homens da verdade que é Cristo, mais afastados estão da verdade como um conceito de aplicação geral. Segue-se que, quanto mais distante do transcendente pessoal, menos inteligente e aplicável é uma teoria que pretenda explicar o mundo ou servir de base para o conhecimento do que existe. Aferrados a uma noção por demais generalista de Deus, os inúmeros autores que se valeram da negação da pessoalidade divina para construir suas teorias obtiveram em conseqüência uma dolorosa aridez e uma insustentável dissonância com a realidade. O simplismo geométrico de Kepler e o teísmo de Voltaire (que, não admira, acaba por tornar-se ateu militante) servem de triste exemplo ao que digo.
Mas é o outro lado da moeda meu principal alvo aqui. Como um padrão geral bastante nocivo, e até em contraposição ao racionalismo dos séculos precedentes, a recente história do pensamento moderno engaja-se, desde o século XVIII mas mais fortemente no século XX, em um processo de alegre e irrefletida adesão a uma ênfase personalista, com a manifesta recusa ou aversão a todo princípio de objetividade. No meio acadêmico, tanto na Europa (sobretudo na França) quanto nos Estados Unidos, as áreas humanas o testemunham com muita propriedade; mas é no Brasil que o fenômeno parece ter fincado raízes mais profundas.
Não é novidade que o brasileiro vive imerso na atmosfera de uma insistência quase predominante em um discurso intimista, relacionado a interesses individuais. O Brasil de hoje evita mais que nunca teorias, valores e práticas para o bem comum, acima dos estritos consensos. Já é muito difícil encontrar um autor nosso que se preocupe com questões universais. Mas a igreja evangélica brasileira também não foge à regra, e é aí que chego finalmente ao meu ponto: com raríssimas exceções, temos comunicado nossa fé quase que exclusivamente como a verdade particularizada, como “solução” para as mazelas pessoais de quem nos ouve, enfatizando o encontro pessoal com Cristo – o que faz jus à dimensão pessoal de Deus, com certeza, mas não à verdade em Cristo, universal, que traz luzes sobre o sentido da vida para toda a humanidade.
É assim que o evangélico brasileiro tende a particularizar tanto a mensagem do evangelho que sua mente pode até mesmo se dividir em dois compartimentos estanques: o da verdade da igreja e o da verdade geral. Quando isso ocorre, ele não consegue desafiar a mentira vigente no mundo porque sua fé não tangencia essa mentira, mas se refugia em um lado da mente que crê controlar sua própria vida e apenas isso. A fé serve, nesse caso, não como uma bússola para as ações humanas, para uma filosofia da moral, mas como um estrito regulador da vida particular. Claro que o processo funciona neste âmbito, mas para os homens ele se torna um E.T. cuja fé permanece incomunicável, e nisso ele contribui para a manutenção de um dos principais nós teóricos – se não o principal – da modernidade: a recusa do sentido do geral, conforme apontado pelo filósofo romeno Constantin Noica, terreno fértil para os relativismos de nossa época. Nisso, ele deixa de ser sal e luz, tal como Jesus havia recomendado.
Essa é mais que uma possível explicação para a pouca representatividade intelectual da igreja evangélica brasileira nas grandes questões de hoje: é uma conclamação de urgência para que possamos pôr abaixo o muro conceitual que separa nosso cristianismo da trama intricada das idéias hegemônicas deste mundo, enfrentando-as à luz da verdade – não com o nosso poder, finito, mas com o presente que, segundo o apóstolo Paulo (1Co 2:16), recebemos diretamente de Deus ao nos convertermos: a mente de Cristo, sinal do homem espiritual maduro em nós. Se, de acordo com Paulo, o homem espiritual é apto a “julgar todas as coisas sem ser julgado por ninguém”, é porque fala do que apenas Deus é capaz de transmitir, e que está muito acima das discussões intermináveis sobre diferenças menores entre indivíduos ou denominações. Sejamos luz, pois: acima dos desejos e preocupações pelo que é finito, a igreja precisa redescobrir na prática, no embate com o mundo, a verdadeira dimensão do que já recebeu – a verdade do Evangelho que “ilumina a todos os homens”, transcendendo com vigor a todos os particularismos.

Comments:
Genial, mais uma vez, e não me canso de afirmar isso, Deus não só pode, como usa nossa genialidade em prol da proclamação da verdade absoluta.

Faço coro com sua amiga Lenita:

Amem.
 
A dicotomia entre o saber e o "ser" (ou viver) parece mesmo ter alcançado os cristãos de chofre.
Ao enclausurarmos nosso conhecimento de Deus em uma cela mental, da qual só o libertamos ao nos relacionar com nossos iguais, para, em seguida, o aprisionarmos novamente em nossas relações gerais, talvez passemos a crer que essa negação prática de Cristo não é nada de mal.
Como Pedro, afirmamos a Deus nosso total amor, e ali na esquina, proclamamos com nossos atos:
"Nunca o conheci!"

Seu alerta é pertinente e o cristão precisa urgente de santificação, sem a qual, afinal, ninguém verá a Deus.

Grande abraço,
Anderson.
 
cara Norma,
em tempos de conformação da igreja com o tenebrososséculo XXI, é muito bom ler seus textos .
MARCELO
 
Cara amiga Norma, eu também afirmo que como detentores de uma verdade tão central que é o Evangelho, nós cristãos temos sido tímidos e quando não, indiferente às questões importantes da vida. A concepção que alguém ou grupo possui sobre Deus e o universo determina enormemente sua maneira de agir e reagir diante dos fatos, e, tristemente verifico que a visão de um poderoso Deus vingativo e insensível aliado à uma concepção errõnea do fim dos tempos são os principais fatores da absurda apatia dos evangélicos com relação à luta contra o ateísmo e a degradação moral da sociedade.
 
O problema, Norma, é que você polariza as coisas da seguinte maneira: verdade pessoal
= encontro com Cristo; verdade Universal
= combater o esquerdismo e defender o direitismo. Parece que você não percebe que a verdade universal, o entendimento das coisas Divinas não significa discutir politicagem, mas ser profundo na metafísica celeste, coisa que só vi com perfeição em Emanuel Swedenborg. A lacuna deixada pela falta de uma ciência verdadeiramente espiritual e de uma teologia ao mesmo tempo racional e mística, ao que parece, está sendo preenchida com intelectualice mundana. Essa é a impressão que me dá, Norma. Desculpe a franqueza.
 
André,

Você provavelmente não notou, mas a polarização é justamente o que combato nesse texto.

Eu combato o esquerdismo na medida em que a ideologia quer substituir a fé bíblica - uma fé que você substituiu pelos escritos de Swedenborg. Jamais faço com o direitismo o que os esquerdistas cristãos em geral fazem com o esquerdismo.

Impressão é algo a que todo mundo tem direito. Agora, se corresponde aos fatos, é outra história...

Abraços.
 
pelo menos ele desmascara os lideres corupetos eu não concordo com a teologia do caio mas ele tem coragen de denunciar o comercio evangelico e todas as aberrações religiosa que se tornou uma vergonha
 
Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. João 5:39 Tomando como base o texto citado quero me fixar nele mesmo. As palavras de Jesus colocam que a Biblia testifica dEle…fala a respeito dEle. Diz da vida de Jesus!

As palavras de Jesus não dizem que ele possui uma religião…isso é uma inserção humana! Eu posso ser cristão sem ter uma religião como também posso ter uma religião sem ser cristão. no mundo contemporâneo falamos de religião como um fim em si mesmo. mas Jesus não discute religião. Jesus é o caminho para entrarmos em comunhão com Deus. jo 14.6

Todo o processo de relacionar-se com Jesus só pode redundar em um comportamento: nisto saberão que sois meus discípulos de amardes uns aos outros. jo 14.35 O relexo de seguir a Jesus não é ser religioso e sim amar… a Deus, a mim e o próximo. mt 22.37 Me choca estar olhando o comportamento das denominações tratando de dizer o que é a verdadeira religião, quando na verdade, não expressam na pratica, o amor.

È uma disputa de catecúmenos! Olhem eu tenho a verdade! eu sou a religião verdadeira e com isso arrastam pessoas inocentes a suas fileiras. Se queremos falar de cristianismo falemos de amor pratico (obras tiago 2.14) Deus é amor! Se queremos falar de Deus só podemos falar de amor pq isto é sua essência. Jesus veio mostrar a essência de Deus. A essência do cristianismo é o amor.

A UNICA VERDADE DO CRISTIANISMO É O AMOR.
A UNICA MENTIRA DO CRISTÃO É NÃO AMAR!(INDIFERENÇA)


ESPERO VER JESUS VOLTAR EM AMOR PQ DE OUTRA MANEIRA NÃO O VEREI! MT 25:32-44
 
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